

Cortes de Trump são 'devastadores' para mulheres mais vulneráveis, diz ONU
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) já sofreu cortes no orçamento dos Estados Unidos anteriormente, mas desta vez o impacto das políticas de Donald Trump é mais "devastador" para a saúde reprodutiva em todo o mundo, disse a chefe do UNFPA, Natalia Kanem, em uma entrevista à AFP.
Desde que o Congresso americano aprovou a emenda Kemp-Kasten em 1985, todos os governos republicanos cortaram o financiamento do UNFPA, acusando a organização de promover abortos e esterilizações na China, uma acusação refutada pela agência da ONU especializada em saúde sexual e reprodutiva.
O segundo governo Trump não é exceção. "Da noite para o dia, congelaram mais de US$ 330 milhões (R$ 1,8 bilhão, na cotação atual) para projetos", especialmente em algumas das áreas mais difíceis do mundo, como o Afeganistão, explica a médica panamenha na entrevista por ocasião da publicação do relatório anual do UNFPA nesta terça-feira (10).
Kanem conta que no campo de refugiados sírios de Zaatari, na Jordânia, durante anos, parteiras "heroicas" atenderam cerca de 18.000 mulheres grávidas "sem que uma única mãe morresse no parto, o que é excepcional em uma situação de crise", diz.
Mas "estas maternidades fecharam" e, devido aos cortes financeiros, as parteiras "não podem mais fazer seu trabalho".
Embora o UNFPA ainda não possa calcular o impacto exato dos cortes americanos, eles, sem dúvida, provocarão um aumento da mortalidade materna e de gestações indesejadas.
"O que muda agora em nosso ecossistema é que isso afeta outros atores da saúde reprodutiva que poderiam ter nos substituído", mas que também estão "se recuperando do imenso impacto dos cortes de financiamento".
O governo Trump reduziu drasticamente os programas de ajuda externa. "A retirada dos Estados Unidos do financiamento do setor de saúde reprodutiva é devastadora", afirma.
- Desejo e direitos -
A política americana afeta o financiamento, mas também coloca em questão aspectos de igualdade de gênero.
"É claro que sempre haverá debates sobre a linguagem e os conceitos usados, mas não deve haver debate sobre o fato de que os direitos e as escolhas de mulheres e meninas adolescentes não são negociáveis", insiste Kanem.
"Nunca devemos comprometer nossos valores compartilhados, que fazem a diferença entre a vida e a morte para mulheres e meninas em todo o mundo.
Para a chefe da UNFPA, as mulheres "merecem ser apoiadas, as adolescentes merecem terminar a escola e não acabar grávidas, vendidas ou casadas" por suas famílias.
O relatório anual da organização divulgado nesta terça-feira, com base nos resultados de uma pesquisa da YouGov com 14.000 pessoas em 14 países cujas populações representam mais de um terço da população mundial, também expressa preocupação de que milhões de pessoas em todo o mundo não consigam criar a família que desejam.
Mais de 40% das pessoas com mais de 50 anos dizem que não tiveram o número de filhos que queriam (31% menos do que queriam, 12% mais).
Mais da metade dos entrevistados afirma que barreiras econômicas são determinantes em não ter mais filhos; por outro lado, um em cada cinco afirma ter sido pressionado a ter um filho. Uma em cada três adultas relata ter tido uma gravidez indesejada.
Com uma população de mais de oito bilhões de pessoas, embora cada vez mais países tenham taxas de natalidade historicamente baixas, as questões demográficas às vezes levam a posições "radicais", adverte Kanem.
Para ela, o mais importante são "os desejos reais, direitos e escolhas das mulheres". Escolhas que devem ser apoiadas por políticas públicas.
Z.Hanohano--HStB